Uma nota sobre o cretinismo "internético" |
Comunicação Social |
Atilio A. Boron |
Qui, 22 de abril de 2010 18:18 |
Tornou-se lugar comum crer que a Internet é o âmbito por excelência da liberdade em nosso tempo. Muitíssima gente, e não poucos teóricos, sustentam que se trata de un espaço libérrimo, no qual as antigas restrições que o papel impresso impunha à produção e circulação das ideias ficaram definitivamente superadas. Basta ler algumas passagens do livro de Hardt e Negri, Império; ou os três tomos de Manuel Castells, A Idade da Informação: Economia, Sociedade e Cultura, para apreciar a profundidade e as ramificações desta crença. Dizem os primeiros, numa passagem memorável - e não precisamente pelo acerto - de sua obra, que "a rede democrática é um modelo completamente horizontal e desterritorializado. A Internet (...) é o principal exemplo desta estrutura democrática em rede. (...) Um número indeterminado e potencialmente ilimitado de nós interconectados que se comunicam entre si sem que haja um ponto central de controle. (...) Este modelo democrático é o que Deleuze e Guattari chamaram um rizoma, uma estrutura em rede não hierárquica e sem um centro." (pp. 277-278) O livro de Castells se edifica íntegralmente sobre essa superstição. Mas, contrariamente ao que assegura a charlatanisse pós-moderna, a Internet nem é horizontal, descentralizada ou desterritorializada. O que aqueles autores se empenham em negar é que a Internet é uma estrutura que tem centros de monitoramento e controle, e na qual certo tipo de comunicações estão bloqueadas, quase todas vigiadas e algumas censuradas. Só espíritos muito ingênuos podem supor outra coisa, ainda que também possa ocorrer que tão desastrado diagnóstico responda à incessante busca de originalidade e singularidade que caracteriza a labor de muitos intelectuais - o "afã de novidades", cujas perniciosas consequências já haviam sido notadas por Platão? - que, afetados por uma fenomenal sobrevaloração da importância de sí mesmos e de suas ideias, se obstinam em formular alambicadas teses sobre nossa época, mas abstendo-se de falar do capitalismo e do imperialismo. Do ponto de vista da ciência social, isso é tão absurdo como o intento de um astrônomo que quisesse predizer o curso dos planetas prescindindo por completo de levar em conta o Sol. Em termos de pensamento crítico, uma operação deste tipo constitui uma lamentável capitulação, mas não se pode negar que outorga um banho de respeitabilidade a quem, ao promover semelhantes disparates, desarma ideologicamente os milhares de milhões de vítimas do sistema que, por outra parte, retribui generosamente os serviços de quem predica tais fantasías. Uma das teses mais importantes deste tempo é, precisamente, exaltar a Internet como o reino da liberdade, convertendo assim um dos preceitos da ideologia dominante numa verdade supostamente irrefutável. Mas as evidências que destroem esse mito são abrumadoras. Por exemplo, muitas das mensagens emitidas nestes últimos dias desde o PLED, anunciando um painel sobre o rol da Colômbia na geopolítica imperial, padeceram de suspeitosas dificuldades. Chegaram informações de amigos e companheiros que queriam difundir o aconteceimento mas, ao pôr "Colômbia" no assunto ou no corpo da mensagem, isso simplesmente desaparecia da tela ou ia diretamente para a lixeira. Estamos também experimentando dificultades em receber adesões para nossa campanha de solidariedade com Cuba, e são vários que apelaram a chamadas telefônicas para fazer-nos saber de sua impossibilidade de registrar sua assinatura através do envio de uma mensagem ao endereço preparado para tal efeito. São muitas as experiências que refutam o caráter democrático e libertário da rede. Sem ir mais longe, quem quiser utilizar o programa Skype em Cuba não pode fazê-lo, e muito menos acudir ao Google Earth, porque, em tal caso, aparecerá um cartazinho dizendo que "da localização em que você se encontra neste momento não pode ter acesso a este programa." O mesmo ocorre com muitos outros programas. Quem tenha dúvidas a respeito, não precisa mais do que enviar uma mensagem incorporando no texto certas palavras supostamente vinculadas a atividades terroristas e já verá o que ocorre. Talvez Hardt, Negri ou Castells considerem essas coisas como transitórias anomalias, mas não é assim. É o funcionamento "normal" de uma rede que, a despeito das ocorrências daqueles autores, tem centros que a controlam e dominam. A chamada do dia 19 de Abril no topo de Página/12, "Montañas", agrega nova evidência a favor desta tese. Nela se informava de que "uma página aberta em 25 de março (e que descrevia seu dono como o "príncipe dos mujadins") fora alcançada, na sexta-feira passada, ao ter mais de mil seguidores. Facebook admitiu que não tinha elementos para determinar se o titular era verdadeiro ou apócrifo, mas igualmente anunciou que o sitio fora desativado: desde ontem, Osama Bin Laden já não tem espaço na rede social de Internet." Numa passagem brillante de seu O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte Marx definia o cretinismo parlamentar como "uma doença que aprisiona como por encantamento os contagiados num mundo imaginário, privando-lhes de todo sentido, de toda memória, de toda compreensão do rude mundo exterior". Uma doença que agora reaparece e se apodera de alguns teóricos de nosso tempo, que os encerra num mundo imaginário, no qual a Internet é o reino da liberdade e da democracia, reino edificado, por certo, sobre uma sociedade capitalista que a cada passo demonstra sua incompatibilidade cada vez mais irreconciliável com a liberdade e a democracia, mas que, graças ao cretinismo "internético", intenta renovar sua deteriorada legitimidade. Este cretinismo é muito mais daninho que o identificado por Marx e deverá ser combatido com muita inteligência e muita militância no marco da batalha de ideias. A luta contra a ideologia dominante e os oligopólios mediáticos terá também que se livrar na Internet. Fonte: Rebelión Tradução: Sergio Granja |