sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poema rude e ruim

 
  Não, não é irrelevante pensar-escrever-falar sobre o nada.

No nada tem-se o oposto do tudo.
Tudo o que ser quer hoje em dia é dinheiro e férias constante.
Tenho um amigo que  não tem dinheiro e precisa trabalhar todos os dias.
Trabalha guardando carros se pretende sobreviver na selva de pedra em que confortavelmente transitamos.
Ele, de acordo com o padrão atual, é um nada.
É o nada que não vemos quando vamos ao show.
Não ouvimos quando pergunta se pode guardar o carro.
Não imaginamos rindo, chorando ou fazendo qualquer outra coisa que um ser humano normal faz.
Se um guardador de carros vem chorando, por qualquer motivo, e nos interpela sobre se pode guardar o carro, logo achamos que está fazendo cena.
"- Um drama para poder ganhar dinheiro", dizemos.
 Ele não pode ter sentimentos.
Tem de ser uma máquina.
Que adivinha como e de que forma tem de nos abordar - pedir permissão para trabalhar. Quantas pessoas tem de pedir permissão para trabalhar?
Alguns são convocados a trabalhar, outros vão trabalhar e pronto.
Já os "marginais" guardadores de carros tem de pedir pemissão.

Quem é nada tem de implorar para trabalhar.
 Nada.

O nada não é visto.


Ao sair para dar uma volta Vi meu AMIGO dormindo em um banco próximo ao local em que trabalha.

Encolhido e escondido para NÃO ATRAPALHAR.

As pessoas de bem não querem ver suas vegonhas.
Não tinha dinheiro, nem eu nem ele, não podia ajudá-lo em nada


Fico pensando
Em nada

Luiz Werneck Vianna: ''A sociedade brasileira, hoje, é grão-burguesa''


Fonte: IHU On Line

“O que está unificando o país hoje é um projeto expansionista burguês com vocação grão-burguesa”, afirmou o sociólogo Luiz Werneck Vianna, na entrevista que segue, concedida, por telefone, à IHU On-Line. O Estado traduz este movimento, ele é “ator, mas também é objeto”, afirma Vianna. Não se trata de um “Estado patrão”, esclarece, “o que se tem aí é uma associação, uma vinculação entre política e economia, governo e empresas, governos e atores políticos e empresariais, que, juntos, no Estado e no governo, implementam essa política. As elites econômicas, por exemplo, são partícipes disso”. Os fundos de pensão também têm participação direta nesse processo, e esse é um aspecto complicado, “porque eles atestam que esse movimento não se limita às elites econômicas da indústria, do agronegócio e está envolvendo também, no mínimo, a vida sindical. Basta olhar para a composição desse governo, onde todas as classes e frações de classes se encontram representadas”, menciona.
Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).

IHU On-Line - O capitalismo brasileiro está passando por uma reorganização? Quais são as principais características desse processo?
Luiz Werneck Vianna – Penso que passa, sim, por uma reestruturação relevante, que já vinha acontecendo, mas que assumiu outro ritmo. Diria que isso traduz uma política no sentido de aprofundar o processo de concentração e de centralização de capitais no país. Estão aí as fusões da Oi, do Unibanco com o Itaú e outras importantes que se referem ao setor industrial. Trata-se de uma passagem para uma dimensão superior do capitalismo.
O capitalismo no Brasil consiste, hoje, em um empreendimento extraordinariamente bem sucedido, e o governo Lula tem tido muita responsabilidade e iniciativa na realização desse projeto. Diria que, além disso, a sociedade brasileira, hoje, não é apenas uma sociedade burguesa, é uma sociedade grão-burguesa, como atesta a expansão das empresas brasileiras no exterior, não só na América Latina como na África.
O capitalismo brasileiro transcende as suas fronteiras nacionais. A sua política externa, hoje, está a serviço disso. Ela não apenas atua na defesa do território, da identidade nacional, mas diria que, sobretudo, está presente na expansão econômica do país. Isso se manifesta através de diferentes empreendimentos. Do ponto de vista cultural e universitário, essa universidade que acaba de ser criada no Mercosul é mais um indicador dessa presença ampliada da política brasileira em relação ao seu mundo exterior. Essa política traduz o fato capital de que o capitalismo brasileiro tende a se projetar para fora dos seus limites nacionais, assumindo uma vocação internacional. Denomino essa política de grão-burguesa, que está sendo referendada e apoiada por políticas de Estado. Nesse caso, as estatais têm desempenhado um papel muito importante, alavancando essa política de concentração e centralização de capitais e de lançamento do capitalismo brasileiro no mundo.

IHU On-Line - Além das estatais, qual é o papel dos fundos de pensão nesse processo? São eles os “pilares” dessa reestruturação?
Luiz Werneck Vianna – Também. Na verdade, dessa pergunta podemos deduzir a resposta. Se pensarmos na questão dos fundos, é complicado, porque eles atestam que esse movimento não se limita às elites econômicas da indústria, do agronegócio e está envolvendo também, no mínimo, a vida sindical. Basta olhar para a composição desse governo, onde todas as classes e frações de classes se encontram representadas. O agronegócio é um personagem-chave desse Estado brasileiro de hoje, assim como o mundo das finanças, dos serviços, da indústria. Os sindicatos também estão presentes, principalmente as centrais sindicais. Para que não fique só nisso, movimentos sociais que dizem respeito às questões raciais e de gênero também se encontram instalados no interior desse Estado. Na verdade, isso reedita, em um plano mais largo, mais fundo, em outras circunstâncias, o que foi o Estado Novo da época Vargas. Escrevi, há um ano, um pequeno ensaio, dedicado a esse assunto, em que tentava demonstrar que o funcionamento dessa máquina estatal compósita e heteróclita só vinha funcionando a contento em razão da presença do seu grande articulador, que é o Presidente da República. Sem ele, será muito difícil preservar a harmonização de contrários que hoje caracteriza o governo.

IHU On-Line - Assiste-se a uma reconfiguração de classes ou frações de classe a partir desse fenômeno? Se sim, que classes surgem?
Luiz Werneck Vianna – Ainda percebo as velhas classes brasileiras em processo de diferenciação. A representação associativa e sindical delas é muito poderosa, incluindo o MST, mas, infelizmente, suas ações não têm atuado no sentido de uma vitalização do tecido político, muito afetado pela sucessão de escândalos que o tem fragilizado. A intervenção da vida associativa e sindical, ao invés de procurar o espaço da sociedade civil, tem dado preferência a agir no interior do governo.

IHU On-Line – Essa reorganização do capitalismo pode desestabilizar as forças políticas do país?
Luiz Werneck Vianna – Desestabilizar, não, mas elas já tiraram muita força da política institucionalizada. Essas grandes corporações têm tido um peso muito forte e independente dos partidos, e elas estão no governo e nas câmaras do Estado. Enfim, a política é a grande derrotada nesse processo.

IHU On-Line - Como avalia o Estado enquanto investidor e financiador de grandes investimentos como as obras do PAC? O Estado deve ou não intervir na economia desta maneira?
Luiz Werneck Vianna – O Estado é como a central de inteligência de todo esse processo, na medida em que é ele que orienta o movimento de expansão da ordem burguesa e de concentração e verticalização do capital, de racionalização do sistema produtivo e se empenha em otimizar todas as possibilidades de expansão internas e externas. Mas ele não está atuando acima das partes. Não se trata de um Estado patrão como na construção clássica do bonapartismo de que Marx tratou no 18 Brumário. Na verdade, o que há é uma associação, uma vinculação entre política e economia, governo e empresas, governos e atores políticos e empresariais, que, juntos, no Estado e no governo, implementam essa política.

IHU On-Line - Esse projeto é positivo ou negativo para o país pensando num projeto de nação a longo prazo? Quais as implicações sociais e econômicas da reestruturação do capitalismo?
Luiz Werneck Vianna – Esse projeto é um aprofundamento da experiência burguesa brasileira, inclusive, encarando a questão social de frente. Ao mesmo tempo em que tutela os movimentos sociais, mantém a sociedade desorganizada, com políticas de clientela de massa. Por onde a política vai passar? Ela tem passado por esse “parlamento” das grandes corporações, que tem sua sede no interior do próprio governo. Então, o ministro da agricultura pode perfeitamente conviver com o ministro do meio ambiente e o do desenvolvimento agrário. Cada um deles é portador de interesses determinados, mas esses conflitos são retidos no interior do governo, e apenas residualmente se manifestam no plano da sociedade. O que está unificando o país hoje é um projeto expansionista burguês com vocação grão-burguesa.
Na questão social, a incorporação social aumenta, as políticas se tornam mais abrangentes, embora sejam lastimavelmente de pouco alcance. A educação é de péssima qualidade, e não há indicadores de mudança próxima.

IHU On-Line - E o que dizer do fortalecimento do sistema financeiro nacional?
Luiz Werneck Vianna – Conforme se observa, o sistema financeiro está cada vez mais concentrado. O fato de o Banco do Brasil ter passado bem nessa prova de fogo que foi a crise de 2008 veio reforçar esse processo de concentração. Com a forte representação que tem o presidente do Banco Central, na política brasileira de hoje, o sistema financeiro conseguiu de fato, embora isso ainda não tenha expressão legal, a autonomia do Banco Central quanto aos decisores políticos.

IHU On-Line - Que Brasil está se configurando após o segundo governo Lula?
Luiz Werneck Vianna – Sem dúvida, pelo prisma social é uma geração perdida. A sociedade está mais organizada, educada? Definitivamente não está. Sua economia está mais vibrante, potente? Está, sem dúvida. O Estado brasileiro está forte? Está. Então, temos que fazer esse balanço. Os resultados dependem muito dos valores de quem realiza esse balanço. Eu gostaria de ver uma sociedade mais organizada, instituída, mais potente, com partidos fortes, representativos, com sindicatos autônomos, com movimentos sociais desvinculados do Estado, com um processo de discussão amplo, aberto às raízes da vida social. A minha opção seria essa. Mas o mundo gira do jeito dele.

IHU On-Line – Dependendo do resultado das eleições deste ano, o atual modelo econômico pode mudar?
Luiz Werneck Vianna – Dilma e Serra têm perfis muito parecidos. Vejo dificuldades para a preservação desse modelo, mas algo dele vai subsistir. 
Tome, por exemplo, a questão da legislação social e trabalhista, onde há projetos que se antagonizam na sociedade. Todos esses conflitos latentes muito poderosos vêm sendo administrados no sentido de serem resolvidos no interior do governo. A questão toda é que quando isso não for possível, quando esses conflitos tomarem as ruas, quando cada lado procurar se impor na sociedade pela sua capacidade de pressão e intervenção, não haverá o Lula para administrá-los. Na mesma direção está a questão da reforma tributária, a questão agrária e todas as outras.
PS O novo estado tem sido o centro da reflexão de muitos outros pensadores como pode-se verificar em outras postagens desse blog

Marcio Pochmann: Estado brasileiro é ativo e criativo


Na opinião do economista e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, Marcio Pochmann, o Brasil está diante de um modelo que recupera, a partir do Estado, a ação econômica. Esse processo, reitera, “não está deslocado, pelo menos até o momento, do acompanhamento de recursos ampliados para os raios sociais” 
Para o economista Marcio Pochmann, o Brasil está diante da terceira tentativa de reorganização do capitalismo. Essa fase é marcada, segundo ele, “por uma atuação mais ativa e criativa do Estado”, que cria um ciclo de expansão da economia e pode ser observada a partir da constituição de grandes grupos econômicos mistos, formados por empresas estatais e privadas. 
Na entrevista a seguir, concedida, com exclusividade, por telefone, para a IHU On-Line, o economista diz que a posição do Estado está relacionada a um fator que surgiu com o predomínio da globalização e a desregulamentação do Estado ao longo dos anos no cenário financeiro: a constituição de grandes corporações transnacionais. Nesse circuito de hipermonopolização do capital, afirma, “os países que não tiverem grandes grupos econômicos e não forem capazes de fazer parte desses 500 grandes grupos mundiais, de certa maneira, estarão de fora, alijados da competição de tal forma que passariam a ter um papel passivo e subordinado ao circuito de decisões”. E justifica: “É crescente a presença do Estado em qualquer setor econômico com o objetivo de levar a possibilidade de fazer parte desse seleto grupo de corporações transnacionais, que, cada vez mais, são mistas diante de um espaço tão crescente de recursos públicos”. Pochmann mencionou ainda que estamos vivendo uma “fase em que não são mais os países que têm empresas, mas empresas que têm países diante da dimensão das corporações com um faturamento, em grande parte das vezes, superior ao PIB dos países nacionais”. E conclui: “Não há outra alternativa, no meu modo de ver, que não seja a construção desses grupos”.
Marcio Pochmann é doutor em Economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. 

IHU On-Line - O capitalismo brasileiro está sendo reorganizado?
Marcio Pochmann – Nós tivemos um desenvolvimento capitalista a partir da revolução de 30, que completou um período até a crise da dívida externa. Entre a crise de 1929 e a da dívida externa, de 1981 a 1983, tivemos um desenvolvimento capitalista com uma forte atuação do Estado no Brasil, o que permitiu ao país passar para a condição de oitava economia do mundo, ao final dos anos 70. A crise da dívida externa e as medidas que o Brasil tomou para enfrentar aquele período fizeram com que a convergência política que conduziu o ciclo de desenvolvimento da década de 80 fosse fragmentada. Então, da crise da dívida para cá, temos três iniciativas de reorganização do capitalismo brasileiro. A primeira tentativa se deu no Plano Cruzado, quando se tentou constituir, no Brasil, a exemplo da experiência italiana, a construção de holding de todas as empresas estatais, que teria um fundo único com o objetivo de reorganizar o Estado brasileiro. Essa tentativa não teve sucesso, tanto é que o fracasso do Plano Cruzado colocou por terra a proximidade de reorganização do capitalismo brasileiro.
A segunda tentativa se deu com o Plano Real. Ele teve sucesso, mas a proposta de mudança do papel do Estado se deu na concepção neoliberal. A visão dessa segunda reformulação do Estado era de que seriam constituídos grandes grupos privados nos principais setores a partir da privatização. Esse ciclo fracassou em razão das diversas crises financeiras que aconteceram em 1994, 1995, como a crise mexicana, depois a asiática, até a crise de 2008, que atingiu os principais países capitalistas desenvolvidos. Esse ciclo não se completou; foi interrompido com a eleição do presidente Lula.
Agora, estamos diante de uma terceira tentativa de reorganização do capitalismo através de uma atuação mais ativa e criativa do próprio Estado. Isso se percebe quando ele toma a decisão de constituir grandes grupos econômicos mistos, que têm a presença do capital privado, recursos do Estado e de fundos de pensão de empresas estatais. Estamos, sim, diante de uma tentativa de reformulação do capitalismo brasileiro, de um ciclo de expansão. E a base dessa reforma é a organização do Estado atuando de forma mais ativa nessas parcerias com o setor privado.

IHU On-Line – O Estado financiador se justifica na conjuntura atual, principalmente depois de uma crise financeira como a de 2008?
Marcio Pochmann – O que estamos observando nessas duas últimas décadas de predomínio da globalização, sobretudo financeira, e de desregulamentação do próprio Estado, é a constituição de grandes corporações transnacionais. Falava-se, antes da crise de 2008, da emergência de pelo menos 500 grandes corporações transnacionais, que dominariam todos os setores da atividade econômica. Nesse circuito de hipermonopolização do capital, os países que não tiverem grandes grupos econômicos e não forem capazes de fazer parte desses 500 grupos, de certa maneira, estarão de fora, alijados da competição de tal forma que passariam a ter um papel passivo e subordinado ao circuito de decisões desses 500 grupos. Então, a opção brasileira é se aproximar da concentração desses gigantes para, de certa maneira, fazer parte desse circuito de poucas, mas grandes empresas.
A crise de 2008 mostrou que as grandes corporações privadas são tão grandes que podem quebrar, uma vez que o seu fracasso, enquanto setor econômico, colocaria por terra, inclusive, o próprio sistema econômico. Portanto, é crescente a presença do Estado em qualquer setor econômico com o objetivo de fazer parte desse seleto grupo de corporações transnacionais, que cada vez mais são mistas diante de um espaço tão crescente de recursos públicos. Essa é a lógica do capitalismo, que, de certa maneira, faz com que desmorone a concepção dos Estados nacionais, que têm apenas 300 anos de experiência aproximadamente. Nós estamos avançando numa fase em que não são mais os países que têm empresas, mas empresas que têm países diante da dimensão das corporações com um faturamento, em grande parte das vezes, superior ao PIB dos países nacionais. Então, não há outra alternativa, no meu modo de ver, que não seja a construção desses grupos.
Desses 500 grandes grupos, sabe-se que, de acordo com o projeto chinês, a China pretende ter 150 grupos chineses com interveniência em todo o mundo. O Brasil precisa ter um plano nesse sentido. Agora, esse reposicionamento do Estado brasileiro não pode deixar de lado outras dimensões que dizem respeito à natureza de um Estado capitalista, que está relacionado à necessidade crescente de reinvenção do mercado, especialmente no nosso país, onde 98% das empresas são constituídas de micro e pequenos empreendedores, que respondem por dois terços do emprego nacional. Então, é papel do Estado reorganizar esses grupos econômicos para que eles possam competir nessa nova ordem econômica internacional. Particularmente, penso que seria adequado a construção de um ministério apropriado para os pequenos empreendimentos, que vão desde a economia solidária até a economia popular. A criação de um sistema de crédito, de assistência técnica, de orientação e capacitação no comércio interno e externo, até mesmo a construção de um banco público de financiamento para esse setor também são relevantes.

IHU On-Line – Como conciliar outros arranjos econômicos como a economia solidária com a centralização de capitais? Empresas menores conseguirão sobreviver diante da atuação dos gigantes nacionais?
Marcio Pochmann – O capitalismo se mostrou, ao longo do tempo, um modo de produção com capacidade de gerar riqueza. Uma de suas dificuldades, de fato, é a capacidade de distribuir de forma equânime essa riqueza. O Estado, ao se organizar, permite, através do fundo público, o desenvolvimento de consumo positivo, que diz respeito a bens e serviços sociais como educação, saúde, habitação, transporte. Ou seja, tem uma série de atividades econômicas que são passíveis de serem organizadas por intermédio de pequenos empreendimentos, ainda que as grandes corporações sejam os principais elementos que fundamentam a dinâmica capitalista e, sobretudo, o desenvolvimento. As atividades econômicas podem perfeitamente ser expandidas através não só do Estado, mas pela presença de um espaço para a economia popular, especialmente quando estamos falando de um capitalismo cada vez mais assentado no trabalho imaterial. Temos uma parte importante de funções dentro do trabalho imaterial que não é de interesse da lógica privada e abre a possibilidade de um maior circuito de expansão da economia solidária.

IHU On-Line – Quais são os prós e contras da atual política econômica desenvolvimentista para a economia real? Quem esse tipo de modelo fortalece?
Marcio Pochmann – Com a crise de 2008, começam a ficar mais claros, olhando especificamente no âmbito da América Latina e do Caribe, diferentes modelos de enfrentamento e saída da crise. No caso brasileiro, a saída da crise se deu pelo fortalecimento do papel do Estado. Acredito que essa recuperação recolocou a importância do Estado para o desenvolvimento econômico-social. Agora, essa recuperação, de certa maneira, deu-se nos mesmos moldes que nós tínhamos até a década de 70, 80, que era basicamente a intervenção do Estado como impulsor do desenvolvimento de atividades produtivas. Por outro lado, tem um elemento novo que foi acompanhado do reforço de determinadas políticas sociais, especialmente pelo fato de que a Constituição de 88 estruturou o Estado social brasileiro de maneira diferente do que nós tínhamos até então. É difícil, hoje, o Estado ampliar as funções de natureza econômica desconectadas das atenções da área social, o que permitiu, inclusive ao Brasil, oferecer resultados interessantes durante a crise, como a redução da pobreza, que é um fato inédito, considerando a história de longo prazo brasileiro.
Nós estamos diante da construção de um modelo que recupera, a partir do Estado, a ação econômica através dos bancos públicos, da recuperação dos investimentos em estrutura e energia. Isso não está descolado, pelo menos até o momento, do acompanhamento de recursos ampliados para os raios sociais, como é o caso da previdência, da saúde, da educação. É importante o país produzir e exportar commodities, mas isso, por si só, não parece suficiente para permitir o salto em termos de desenvolvimento, uma vez que é fundamental uma maior ampliação da base de produção de bens com maior valor agregado, com maior conteúdo tecnológico, uma vez que são esses os segmentos que permitem a geração de postos de trabalho de maior qualificação, e que relacionam justamente a elevação de escolaridade com maior remuneração.

IHU On-Line – Isso mostra que o Brasil está se encaminhando para consolidar seu modelo econômico?
Marcio Pochmann - Acredito que o Brasil não consolidou o seu modelo econômico. Tem-se dito, inclusive, que o próprio governo do presidente Lula é um governo de disputa. Há ações, do ponto de vista econômico, às vezes, contraditórias, como o posicionamento do Ministério da Fazenda e, de outro lado, a atuação do Banco Central.

IHU On-Line – A nova política do BNDES de financiar e fortalecer gigantes nacionais traz uma nova perspectiva no sentido de diminuir a concentração de riqueza, ou, pelo contrário, isso tende a aumentar a desigualdade entre as classes?
Marcio Pochmann – Parece-me que a experiência do BNDES no governo Lula é importante e retoma o papel de um banco de desenvolvimento, uma vez que, ao longo dos anos 90, ele se transformou no banco da privatização. O BNDES ampliou o seu orçamento e vem tendo atuação decisiva em termos de reestruturação do capitalismo brasileiro. Acredito que o posicionamento do banco está correto de maneira geral. Agora, junto com o BNDES, seria necessário que o Brasil fizesse uma reforma bancária profunda, porque nós temos cerca de 170 bancos num país de 190 milhões de habitantes. É um contingente de bancos muito reduzido. Países como EUA têm mais de sete mil bancos; a Alemanha tem mais de três mil.
Precisaríamos de um número maior de bancos, especialmente reconhecendo que 500 mil municípios nem agência bancária possuem. É preciso que o crédito tenha um papel ainda mais ampliado, especialmente no setor produtivo. Isso implicaria a constituição de outros bancos: especialmente bancos públicos, como seria o caso de um banco para financiar a agricultura familiar, os pequenos negócios urbanos, as exportações, além da difusão de bancos comunitários junto às pequenas concentrações urbanas que temos no Brasil. Acredito que a forma como o sistema bancário está organizado, ainda que seja melhor da que tínhamos antes, está longe do ideal num país em que o crédito é fundamental para alavancar melhores atividades produtivas e ocupacionais.

IHU On-Line – O Estado deveria atuar de maneira mais firme diante do sistema bancário?
Marcio Pochmann – Sem dúvida. A expectativa desde a transição da ditadura para a democracia, nesses 25 anos, foi uma profunda reforma do Estado brasileiro. O Estado que temos hoje está longe de responder aos anseios e às perspectivas que se tem no século XXI. O Estado se encontra organizado de uma forma anacrônica. Nós temos uma estrutura setorializada, fragmentada, que opera na forma de “caixinhas”, quando, na verdade, precisamos cada vez mais de ações totalizantes, integradas, articuladas. Há experiências recentes como o Bolsa Família que apontam nessa tentativa de convergir ações governamentais. Só que nós não temos feito uma reforma do Estado. Ao mesmo tempo, o fato de estarmos, ainda, sem uma atuação planejada, organizada no médio e longo prazo, faz com que tenhamos grandes desperdícios e resultados insuficientes, não apenas na questão dos bancos, mas praticamente em todos os demais setores da atividade econômica.

IHU On-Line – Como o padrão de consumo reflete na lógica da centralização de capitais? 
Marcio Pochmann – O padrão de consumo hoje reflete essa ordem econômica internacional em que 500 corporações dominam qualquer setor da atividade econômica. São essas corporações que impõem com aceitação relativa, sem grande contestação por parte da população em termos de padrão de consumo. Na medida em que a nossa governança mundial fica fragilizada, fala-se cada vez mais não em romper com o padrão de consumo e seus impactos ambientais, mas em programas para minorar os impactos. Nesse sentido, a questão maior do desenvolvimento, colocado nos dias de hoje, é sua reinvenção, partindo do pressuposto de que não é possível a universalização do padrão de produção e consumo nas mesmas bases que existiu desde o século XX. A conscientização existe, é necessária, mas não se mostrou suficiente para fazer com que se alterassem os rumos do consumo.

IHU On-Line – Um estudo do IPEA mostra que se os indicadores socioeconômicos de 2003 a 2008 se mantiverem, o Brasil deve zerar o número de miseráveis em 2016 e diminuir o número de pessoas de baixa renda. O atual modelo econômico nacional-desenvolvimentista deve garantir tal perspectiva?
Marcio Pochmann – Acredito que sim, porque estamos acompanhando uma trajetória verificada nos próprios países desenvolvidos, onde se combinou crescimento econômico com melhorias em termos de distribuição de renda e fortalecimento da política pública. Isso traduz resultados bastante satisfatórios em termos de enfrentamento da pobreza extrema. Nós também levantamos como uma necessidade avançarmos em termos de indicadores sociais, porque os indicadores que adotamos no Brasil, que são para acompanhar a pobreza extrema, se dão com base numa briga de renda como definidora de pobreza. Nos países europeus, de maneira geral, o indicador utilizado é a pobreza relativa, ou seja, as pessoas são pobres não por não ter o que comer, mas são pobres relativamente ao padrão de riqueza. Então, acreditamos que é possível, a partir desse modelo econômico, chegarmos ao início da segunda década, eliminando a pobreza extrema. Isso não significa que estaremos vivendo num país sem desigualdade. Se utilizarmos como indicador a pobreza relativa, verificaremos ainda que estamos num quadro de desigualdade bastante elevado, sobretudo quando se compara países com o nível per capita equivalente ao do Brasil.

IHU On-Line – A reorganização do capitalismo iniciada no governo Lula tende a mudar de acordo com o resultado das eleições?
Marcio Pochmann – Essa talvez seja uma das principais respostas que a população gostaria de ouvir dos candidatos à presidência da República. Neste ano, estamos diante de um debate sobre o que se espera do Brasil para os próximos anos, ao contrário de outros anos eleitorais, em que se discutia o passado. Nesse sentido, a discussão sobre o futuro nos remeteria ao que se espera de cada um dos candidatos no sentido de propor e conduzir seus governos. De parte dos candidatos da oposição, nós possivelmente teremos visões diferenciadas que ainda tentarão repor a proposta de reorganização do capitalismo sem o Estado, ou com o Estado com atuação bem reduzida. Seria a volta do ideário dos anos 90. Podemos ter também uma visão de desenvolvimento sem crescimento econômico, porque se parte de uma visão de que o desenvolvimento é antiambiental. Então, não estão muito claros os posicionamentos dos debates eleitorais. Com o passar do tempo, ficará claro que há visões muito diferenciadas de como organizar o Estado e a economia nacional em termos de avanços sociais para a população. 
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"Jamais, na história da humanidade, houve tamanha criação material: bens e serviços abundantes e de melhor qualidade, inovações que porporcionam mais conforto e saúde, possibilidade de fruição de novas dimensões da vida, comunicação dos indivíduos. Porém, o preço a pagar revelou-se absurdamente alto. A lógica inexorável do princípio da acumulação ilimitada e da concentração do capital leva à destruição da natureza e ao crescimento das desigualdades socioeconômicos de modo indigno". (Dal Rosso).

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http://cdh-els.blogspot.com/

ditadura quem esqueceu


Uma semana depois do Golpe de 1º de abril, Brasil Nunca Mais!
http://www.ihu.unisinos.br/templates/interna/images/pontilhado_news.jpg

Bruno Lima Rocha é cientista político, recorda o Golpe de 1º de Abril de 1964 e o 25º do livro Brasil: Nunca mais!
Bruno Lima Rocha, cientista político com doutorado e mestrado pela UFRGS, jornalista formado na UFRJ; docente de comunicação e pesquisador 1 da Unisinos; membro doGrupo Cepos e editor do portar Estratégia & Análise
Eis o artigo.
No ano de 1985 a Arquidiocese de São Paulo lançara pela Editora Vozes um livro marco no país. Chama-se Brasil: Nunca Mais! E trata-se de uma profunda e precisa compilação da tortura como ferramenta estruturante do terrorismo de Estado após o Golpe de 1º de Abril de 1964. Não me recordo de um militante da década de ’80 que não o tivesse lido. A obra causara polêmica por reafirmar o que já era sabido. Isto porque o tema da ditadura, a saída, o questionamento ao acórdão da anistia para torturadores e criminosos de lesa-humanidade e o reivindicar dos mártires da resistência era freqüente. O tema circulava, assim como o medo e o espírito de reivindicar os que caíram pela causa coletiva.
Hoje, 25 anos depois, passados quase oito anos de um governo de “esquerda”, nenhuma força política com projeção nacional recorda o passado recente? E por quê? Várias razões podem ser atribuídas, tais como: o horizonte ideológico mudou (o que é verdade, mas não justifica); a preocupação do eleitor mediano não é essa (o que implica admitir que o proselitismo é a regra da política); a repulsa às ditaduras entra no problema da liberdade, um tabu para boa parte das esquerdas (o que também é verdade, mas soa à técnica do avestruz, enterrando a cabeça na terra à espera de momentos melhores que nunca virão por espontânea vontade coletiva); parte da “esquerda” hoje é aliada dos herdeiros da ARENA e parte da antiga resistência ao golpe compôs o governo FHC (o que só reforça a idéia de que há um esquecimento forçado em função de alianças de ocasião, pautadas pelo pragmatismo político e a convivência em tolerância com as piores práticas dos aliados civis dos militares golpistas).
As farsas da história são solenemente repetidas como novidades. Assim a re-significação de operadores ocorre sem problema. Um exemplo disso deu-se na Europa do Pós-Guerra, quando ao não fazer a prestação de contas a fundo, as sociedades do centro do capitalismo toleraram ex-nazis e ex-fascistas pousando de democratas. Um gritante exemplo deu-se com Klaus Barbie, conhecido como o Açougueiro de Lyon, e cuja rede de relações e tráficos de nazistas pela América Latina fora utilizada pela CIA durante o período das Fronteiras Ideológicas.
Na questão da falta de memória histórica brasileira, intriga não apenas ver a boa convivência entre ex-adversários – como nas políticas de comunicação, entre Franklin Martins (secretário de Imprensa e Propaganda da Presidência, ele próprio um ex-guerrilheiro) e o ex-ministro das Comunicações Hélio Costa (ex-correspondente da Voice of America, baseado em Washington durante a Ditadura). Não há acúmulo de forças com mentalidade de câmbio que resista a tamanha promiscuidade política. E, sejamos justos, no governo anterior (Fernando Henrique Cardoso, de 01/01/1995 a 01/01/2003) ocorreu o mesmo. Mas, como os tucanos já chegaram ao poder com discurso mais lavado e convivência por dentro do MDB com ex-Udenistas e ex-raposas do PSD que também apoiaram ao golpe, notou-se menos o conflito de identidades. 
É igualmente intrigante tentar compreender o porquê dos países hermanos saírem às ruas nas datas de luto e luta pelo Golpe de Estado. Existe um padrão nos protestos de argentinos nos dias 24 de, dia do golpe de 1976, comandado pela Junta Militar tendo o general Jorge Videla e o almirante Eduardo Massera à frente. O mesmo se repete no Uruguai, quando é dia 27 de junho, recordando o de 1973, auto-golpe comandado pelo então presidente Juan Maria Bordaberry com a participação do Estado-Maior Conjunto. E as ruas chilenas fervem nos dias 11 de setembro, lembrando o 11/09 de 1976, data do golpe de Estado das Forças Armadas chilenas, cuja cabeça operacional era o ex-chefe do Estado Maior do Exército durante o governo Allende, o próprio golpistaAugusto José Ramón Pinochet Ugarte. Nestes três países, com maior ou menor radicalidade e nível de conflito, agrupações de esquerda reivindicam seus mártires e dão significado para as lutas contemporâneas aos militantes que caíram no período anterior. Ao mesmo tempo, aqui no Brasil, nenhuma força política de projeção nacional se arrisca na auto-imagem de bom comportamento e convivência tranqüila com a democracia de tipo representativo-burguês e, por tanto, não reivindica aos guerrilheiros do Brasil. Não serão abertos os arquivos e nem será aprovado um Plano Nacional de Direitos Humanoscontundente caso não exista ação coletiva organizada para tal. Eis a diferença e eis o perigo. 
Como se sabe, a memória e a história caminham de mãos dadas, e qualquer idéia de futuro comum, depende da noção do processo que nos levou ao tempo presente. Por isso, ao não recordarmos da ditadura militar, de seus aliados políticos civis, dos agentes econômicos associados e da política externa dos EUA à época, nós – enquanto latino-americanos - abrimos caminho para que situações de golpe retornem ao tabuleiro de possibilidades. Assim ocorreu na Venezuela, em abril de 2002, na tentativa de secessão da Meia Lua boliviana em agosto de 2008 e no golpe jurídico-político-militar de Honduras em junho de 2009. Neste último, nós perdemos. Para os desavisados, é bom lembrar que o governo de Obama-Hillary já teve mais vitórias na América Latina em menos de dois anos do que Bush Jr em seus terríveis oito anos à frente do Império.
Diante da mudança de quadro, com novamente o Império voltando parte de sua atenção para Nossa América, finados operadores de inteligência como Dan Mitrione ou Lincoln Gordon, ex-embaixador dos EUA (no Brasil aqui servira entre 1961 e 1966) e um dos artífices do Golpe de 1964, devem estar sorrindo nas profundezas diante do abandono das esquerdas brasileiras da luta por Memória, Verdade, Justiça e Punição a todos os culpados. Ao não reivindicar o passado se abre uma perigosa margem para o amanhã voltar a ser como um ontem de roupagem diferente. Este crime, o da omissão política, também deve ser moralmente condenável.




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"Jamais, na história da humanidade, houve tamanha criação material: bens e serviços abundantes e de melhor qualidade, inovações que porporcionam mais conforto e saúde, possibilidade de fruição de novas dimensões da vida, comunicação dos indivíduos. Porém, o preço a pagar revelou-se absurdamente alto. A lógica inexorável do princípio da acumulação ilimitada e da concentração do capital leva à destruição da natureza e ao crescimento das desigualdades socioeconômicos de modo indigno". (Dal Rosso).

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