quinta-feira, 15 de julho de 2010

Trololó na TV Cultura e mais

"http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=597IPB010"

Trololó na TV Cultura

Por Nelson Hoineff em 12/7/2010

A bola queimou para a TV Cultura, com as demissões dos jornalistas
Heródoto Barbeiro e Gabriel Priolli. Explicações complicadas terão que
ser dadas pelo candidato à presidência José Serra – acusado de ter
pedido a cabeça dos jornalistas – e pelo vice-presidente de conteúdo
da emissora, Fernando Vieira de Mello, recém-chegado por lá, após ter
sido afastado da Band.

Como já é amplamente sabido, as duas demissões supostamente têm na
base questionamentos feitos pelos jornalistas ao alto preço dos
pedágios nas estradas de São Paulo – Barbeiro no Roda Viva, onde Serra
considerou a questão um "trololó petista"; Priolli em reportagem para
o Jornal da Cultura, e que sequer estava editada.

Barbeiro era um nome importante do jornalismo da Cultura havia muitos
anos; foi editor, repórter, apresentador e âncora. Priolli teve várias
passagens pela emissora, mas tornou-se diretor do Jornalismo apenas
cinco dias antes de ser demitido. É possivelmente um recorde mundial,
que deixa para a TV Cultura uma questão que ela tem que responder com
urgência: ou o novo diretor de Jornalismo, que a emissora conhecia bem
em várias outras funções, demonstrou uma inadequação meteórica para o
cargo, ou a emissora cedeu mesmo, como escreveram Luis Nassif e outros
jornalistas, às exigências do candidato tucano.

Diálogo de répteis

Se isso não é envaidecedor para José Serra, é muito menos para a
emissora. Menos ainda para a utopia de se construir uma televisão
pública livre no Brasil. O incidente deixa a TV Cultura numa situação
visivelmente constrangedora, mas impacta enormemente o debate que
vinha acontecendo – especialmente desde a criação da Empresa Brasil de
Comunicação (EBC) – sobre a possibilidade de sobrevivência do
jornalismo independente numa televisão pública.

A principal razão para isso é que a própria Cultura vinha ironicamente
sendo apontada como um modelo bem sucedido dessa possibilidade. Isso
em oposição à EBC, que como empresa alegadamente ainda não conseguiu
decolar, cujo jornalismo foi esfacelado há tempos, onde essa história
de independência é uma balela.

Em vista do experimentado pela EBC – e à luz do que acontece neste
momento na TV Cultura –, televisão pública e jornalismo independente
parecem ser no Brasil expressões mutuamente excludentes. Mas se o
jornalismo não é independente numa televisão pública, não ofenderá
perguntar:

– A quem interessa, então, uma televisão pública, e por que os
governos investem tanto dinheiro nelas?

A possibilidade de construção de uma televisão pública livre, original
e relevante é inversamente proporcional ao nível de promiscuidade que
possa existir entre governos e seus partidos e os mecanismos de gestão
dessas emissoras. Se for comprovado que o PSDB demitiu dois
jornalistas da Cultura por terem feito perguntas sobre os pedágios das
estradas paulistas, isso autorizará a EBC a afastar quem se posicione
criticamente a qualquer ação do governo Lula. Tal quadro estaria
alguns pontos abaixo de um diálogo de répteis – subvencionado pelo
dinheiro da sociedade brasileira.

Fundo do poço

A sociedade tem que saber imediatamente se Heródoto Barbeiro e Gabriel
Priolli foram de fato demitidos por ordem de José Serra. Se não, por
que o foram, que tipo de erros contundentes ambos cometeram – até
porque são nomes conhecidos pelo público e respeitados no ambiente
profissional.

A sociedade tem também que saber quem está ganhando dinheiro público
nas emissoras públicas para não lutar por sua independência e, pelo
contrário, torná-las mais e mais subservientes aos interesses dos
políticos.

Relações promíscuas com vários setores estão no DNA de muitos
políticos – não refiro a qualquer um em especial – e isso talvez não
possa ser combatido com tanta facilidade. Mas "laranjas" que são
postos nas televisões públicas que o povo está pagando – e que as
colocam a serviço do atraso, que as lançam ostensivamente no
descrédito público –, estes devem ser combatidos e denunciados por
quem quer que defenda a possibilidade de uma imprensa equilibrada, de
uma televisão pública independente e voltada para o interesse público.

Ser conivente com isso é jogar a televisão brasileira no fundo do
poço, é trair os mais elementares ideais libertários.

***

ENTRE ASPAS

Sayad nega ingerência política na TV Cultura

Sonia Racy e Jotabê Medeiros # reproduzido de O Estado de S.Paulo, 12/7/2010

O presidente da Fundação Padre Anchieta, João Sayad, negou ontem
[domingo, 11/7] ter havido motivação política no afastamento de
Gabriel Priolli da Diretoria de Jornalismo da TV Cultura. Ele alegou
que Priolli não tinha o perfil adequado para o cargo na emissora,
gerida pela fundação.

"Foi uma escolha equivocada", afirmou Sayad. Jornalista experiente,
com passagem por alguns dos principais jornais e televisões do Brasil,
Priolli trabalha para a TV Cultura há mais de uma década e permaneceu
apenas uma semana no cargo.

Seu afastamento alimentou a suspeita de ingerência política na
emissora pública ligada ao governo de São Paulo. Segundo versão
amplificada pela internet, Priolli foi afastado do posto por orientar
a produção de uma reportagem sobre as tarifas de pedágio nas estradas
estaduais, tema abordado com insistência pela campanha do PT ao
governo paulista.

O jornalista preferiu não se manifestar sobre o episódio: "Vou manter
silêncio, pois ainda sou funcionário da TV Cultura". O destino de
Priolli dentro da emissora deve ser definido hoje, em reunião com o
vice-presidente da fundação, Ronaldo Bianchi. Tanto a nomeação quanto
a destituição de Priolli foram comunicadas a ele pelo diretor de
Conteúdo da TV Cultura, Fernando Vieira de Mello.

O seção paulista do PT anunciou que vai pedir ao Ministério Público
Eleitoral que investigue o afastamento de Priolli. O candidato do
partido ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, foi entrevistado
para a reportagem sobre pedágios, assim como o candidato do PSDB,
Geraldo Alckmin.

***

Pedágio na Cultura

Fernando de Barros e Silva # reproduzido da Folha de S.Paulo, 12/7/2010

Começou mal, muito mal, a gestão de João Sayad à frente da TV Cultura
de São Paulo.

Na quarta-feira da última semana, confeccionava-se, para o jornal
noturno da emissora, uma reportagem sobre os pedágios paulistas, aos
quais o próprio candidato tucano ao governo, Geraldo Alckmin, havia
feito reparos. No início da noite, o diretor de jornalismo da TV
Cultura, Gabriel Priolli, foi chamado à sala de Fernando Vieira de
Mello, vice-presidente de conteúdo.

Ali ouviu a bronca: a TV não poderia se ocupar de assunto tão delicado
sem o seu conhecimento prévio. Vieira de Mello ecoava um protesto que
tinha origem em algum escaninho da burocracia tucana.

A reportagem não foi ao ar naquela noite. E Priolli foi afastado de
suas funções na tarde de quinta-feira. Durou uma semana no cargo.

Consta que a reportagem sobre os pedágios foi exibida na noite de
sexta, feriadão de 9 de julho. E alega-se que foi derrubada na
antevéspera porque estava "mal feita". Ninguém deve ter visto o
resultado final. Como quase ninguém teria visto se fosse exibida na
quarta.

A verdade é que a Cultura é uma TV mais lida do que assistida. Os
próprios conselheiros da Fundação Padre Anchieta acompanham a emissora
pela imprensa.

A saída de Heródoto Barbeiro do "Roda Viva" nada tem a ver com a
pergunta que ele fez no programa a José Serra uma semana antes
-justamente sobre pedágios. A sua substituição por Marília Gabriela já
estava acertada pela direção. Mas, ao enviar Priolli para a Sibéria,
os tucanos conseguiram transformar uma mentira em algo verossímil.

O episódio escancara a ingerência política do tucanato na TV pública
de São Paulo. Quando uma reportagem sobre pedágios vira questão de
Estado, então é melhor fechar o departamento de jornalismo e exibir
"Cocoricó", onde ao menos as crianças são levadas a sério.

***

Diretor de jornalismo da Cultura é afastado

Ana Paula Sousa # reproduzido da Folha de S.Paulo, 10/7/2010

Após uma semana no posto, o jornalista Gabriel Priolli deixou de ser
diretor de jornalismo da TV Cultura. A decisão, tomada pelo jornalista
Fernando Vieira de Mello, vice-presidente de conteúdo da emissora,
alimentou boatos a respeito da ingerência política sobre o canal.

No final da tarde de quinta-feira [8/7], Mello chamou Priolli à sua
sala para comunicá-lo do afastamento. Priolli, que já era funcionário
da Cultura, disse, à Folha, que preferia não falar sobre o episódio.

Nos corredores da emissora e na blogosfera, circula a informação de
que, por trás da saída de Priolli, está uma reportagem sobre problemas
e aumento nos pedágios.

A reportagem teria sido "derrubada" – jargão para o que não é
veiculado – por Mello. "A reportagem não foi ao ar na quarta-feira por
uma razão simples: não estava pronta", diz Mello.

"Eram ouvidos só [Geraldo] Alckmin e [Aloísio] Mercadante. Em período
eleitoral, somos obrigados a ouvir todos os candidatos. Foi isso que
fizemos", acrescenta.

De acordo com ele, o material iria ao ar ontem [9/7] à noite, no
Jornal da Cultura.

Dias antes, outra dança de cadeiras originou rumores sobre a
influência do governo estadual sobre a TV.

Segundo estes, Heródoto Barbeiro teria sido substituído por Marília
Gabriela no Roda Viva por ter feito uma pergunta incômoda a Serra.

A TV atrela a mudança à busca de uma "nova cara" para o canal. Mello
observa, ainda, que nem Priolli nem Barbeiro foram demitidos. Ambos
devem assumir novas posições na emissora.